sábado, 1 de outubro de 2016

Concisão -- o menos vale mais

       “Quem muito fala muito erra” – diz o ditado. E quem muito escreve, além de também correr o risco de errar, tende a se perder no excesso de palavras. O exagero dessa tendência constitui a verborragia, ou seja, o ato de escrever demais e expressar um mínimo de ideias.
        O oposto da verborragia é a concisão, que se define como a economia de palavras. O poeta Jose Paulo Paes destaca essa qualidade em “Poética”:
Conciso? Com siso // Prolixo? Pro lixo.” Jogando com os homônimos, ele afirma que o que é escrito com poucas palavras revela sensatez. E o que tem palavras em excesso (prolixidade é a “demasia ao falar ou escrever”) deve ir para o lixo. O poeta pratica o que defende, pois seu poema não tem mais do que dois versos.
      Um dos maiores desafios para quem escreve é eliminar o entulho verbal. Às vezes o autor tem que escrever duas ou mais versões do texto, sempre cortando, para chegar à simplicidade e à clareza que garantem a comunicação.
      Um dos excessos por vezes encontrado nas redações é a duplicação de palavras. Parece que usar apenas um verbo ou um substantivo não satisfaz. É preciso emparelhá-lo com outro, embora nem sempre o resultado seja bom.   
      Por exemplo: “Necessitamos de medidas para preservar e cuidar do ecossistema”, “O trabalho estimula e eleva o amor-próprio”, “Nosso sistema carcerário limita e inibe a reintegração do preso à sociedade”, “Os pais precisam orientar e dirigir os filhos”, “É preciso manter a atenção e o foco nas metas”, “O professor deve estimular a solidariedade e a união do grupo”.
      O propósito dos alunos é dar ênfase, mas o que eles conseguem é o oposto. Um dos termos, por nada acrescentar ao outro ou estar nele contido, acaba enfraquecendo-o. Na correção deve-se cortar o que tem menor peso semântico. Basta dizer: “Necessitamos preservar o ecossistema”. É impossível preservar sem cuidar; logo, o segundo verbo está sobrando. Isso vale para todos os pares apresentados no parágrafo anterior. Se o leitor tem dúvida, faça o teste.
            O valor da concisão se revela especialmente nos provérbios. Eles resumem a sabedoria popular e devem parte do seu “caráter sentencioso” à forma condensada. Já imaginaram enunciar os provérbios de outra maneira? Desmembrá-los, preservando o conceito e deixando de lado a forma? O conhecido “Quem não tem cão caça com gato”, por exemplo, ficaria mais ou menos assim: “Aquele que não dispõe de um mamífero carnívoro da família dos canídeos persegue animais silvestres para caçar ou matar com um pequeno mamífero carnívoro, doméstico, da família dos felídeos.”
         Reescrever provérbios é um bom exercício para avaliar o efeito da concisão. De quebra, tem o mérito de levar a que se consulte o dicionário. Leia a reescrita que fizemos de algumas conhecidas sentenças populares e compare, no final, como a formulação sintética aumenta o impacto sobre o leitor:
1) Cada espécime dos primatas deve permanecer na subdivisão do caule de uma árvore ou arbusto que lhe é devida.
2) O Todo-Poderoso presta assistência aos que antes da ocasião própria levantam da cama ao alvorecer.
3) Quem sente grande afeição por alguém de aparência desagradável, desproporcional ou disforme, terá a impressão de que essa pessoa lhe suscita prazer estético.
4) Cada indivíduo cujo comportamento ou raciocínio denota alterações patológicas das faculdades mentais cultiva seus hábitos peculiares e obsessivos.
                                                                                        
     Provérbios: 1) Cada macaco no seu galho. 2) Deus ajuda quem cedo madruga. 3) Quem ama o feio, bonito lhe parece. 4) Cada louco com sua mania.

Nenhum comentário:

Postar um comentário