Boa
parte do que o texto significa não se mostra explicitamente. Quando escrevemos
deixamos implícitas algumas informações, e cabe ao leitor completar as lacunas.
Os implícitos são basicamente de dois
tipos: pressupostos e subentendidos. Os pressupostos estão inscritos na língua;
não há como fugir ao sentido que eles determinam. Já os subentendidos dependem
de interpretação.
Se alguém diz a uma visita: “Finalmente
você apareceu”, pressupõe-se que o interlocutor há tempo não dava as caras; o
advérbio que introduz a oração indica isso. Caso ele acrescentasse uma observação
do tipo: “Deixou o orgulho de lado”, estaria formulando um subentendido. A ausência
do outro teria sido interpretada como soberba. O subentendido sempre envolve um
julgamento, um juízo de valor, e por vezes leva à distorção da verdade.
Um exemplo disso ocorre nesta passagem
de “O pagador de promessas”, a conhecida peça de Dias Gomes:
PADRE Que pretende com essa
gritaria? Desrespeitar esta casa, que é a casa de Deus?
ZÉ Não, Padre, lembrar somente
que ainda estou aqui com a minha cruz.
PADRE Estou vendo. E essa insistência na heresia mostra o quanto
está afastado da igreja.
Zé
do Burro pretende entrar na igrreja carregando uma cruz para agadecer a Santa
Bárbara o restabelecimento do seu burro Nicolau. Ele é um homem simples,
ingênuo, e jamais lhe passaria pela cabeça contestar a ortodoxia cristã. No
entanto o padre Olavo interpreta o fato de ele conduzir a cruz como um sinal de
heresia. Subentende na resposta do interiorano a intenção de ser um novo Cristo.
Nos subentendidos refletem-se valores
e preconceitos da sociedade. Levei para a classe o seguinte diálogo:
– Você pretende se casar?
– Eu tenho juízo!
Depois perguntei à turma o que se
subentende da resposta. Praticamente a
totalidade dos alunos afirmou que ela dava entender que só “um doido” se casa. O
curioso é que o diálogo também permite que se entenda o oposto. Pode-se interpretar
a resposta como uma defesa do casamento, que seria a opção do indivíduo
prudente e racional. Por que ninguém considerou esse lado?
Nesta outra passagem a interpretação
ficou mais fácil, pois o que se subentende parte de um dos envolvidos no diálogo:
– Aquele ali teve sucesso na política.
– Já sei. Nunca foi pego.
Está implícita a ideia de que os políticos
transgridem a lei.
Um
dos maiores riscos na redação é querer dar aos subentendidos o rigor dos
pressupostos. O que se interpreta não pode ser tomado como verdade absoluta. Num texto sobre os novos papéis da mulher na
sociedade, um aluno escreveu: “O trabalho da mulher fora de casa prejudica a
educação dos filhos, pois ninguém substitui a mãe nessa tarefa.”
Subentende-se que tal prejuízo possa ocorrer,
mas há mulheres que conseguem conciliar as duas funções. O aluno deveria ao
menos ter apresentado o seu julgamento como possibilidade. Por não fazer isso,
incidiu numa discutível generalização.