sábado, 8 de outubro de 2016

Eufemismo e hipossemia

O oposto da hipérbole não é o eufemismo. Essas figuras não se contrapõem, pois situam-se em áreas diferentes. A hipérbole diz respeito ao “pathos” (paixão), enquanto que o eufemismo está ligado ao “ethos” (caráter).
Quem produz uma hipérbole o faz abalado por forte impressão emocional. Exagera para comover e suscitar empatia: “estou morto de fome”, “ele tem uma vontade de ferro” (hipérbole metafórica), “daria a minha vida por você”.
Um exemplo de hipérbole aparece nesta quadra de Augusto dos Anjos:

                No tempo de meu pai, sob estes galhos,
                Como uma vela fúnebre de cera,
                Chorei bilhões de vez com a canseira
                De inexorabilíssimos trabalhos.

         Os versos constam do soneto “Debaixo do tamarindo”, em que o poeta confessa o seu amor pela árvore que ensombrava a casa-grande do engenho onde nasceu. Revelam o desespero diante da morte e a esperança de continuidade pela fusão com o organismo vegetal (lê-se no final do poema: “Abraçada com a própria Eternidade/ A minha sombra há de ficar aqui!”).
         A referência ao pranto “bilhões de vezes” chorado e aos “inexorabilíssimos” trabalhos busca traduzir a intensidade de uma Dor que transcende a esfera pessoal. Não é apenas o sofrimento de um indivíduo, mas de toda a espécie humana, com a qual o eu poético se identifica.
No eufemismo, atenuamos um conteúdo desagradável com a intenção de não ferir nem chocar. O que anima esse propósito é a ética, o recato, por vezes a conveniência social. Podemos dizer de alguém muito feio, por exemplo, que “seus traços não são harmoniosos”. Ou, de uma pessoa estúpida, que ela “não tem um cérebro brilhante”. O eufemismo preserva o conteúdo e suaviza a forma.
O seu oposto é o disfemismo, que consiste no uso de expressões deselegantes, grosseiras ou chulas. Na versão disfêmica, o muito feio passa a “horrendo”, “um parto”, “um frankenstein”. O pouco inteligente é chamado de “anta”, “burro”, “quadrúpede”. O disfemismo é uma intensificação pejorativa e visa agredir ou chocar.
      Num texto sobre a dependência aos outros, Adriano Silva critica os que nada fazem sem escutar a opinião alheia e são capazes de perder o dia caso não recebam um sorriso de aprovação. Diz invejar os indivíduos autossuficientes, que “resolvem suas inseguranças (...) sem expor o traseiro nu na janela”. Essa referência ao “traseiro nu” é uma imagem disfêmica; por meio dela o autor deprecia os que se deixam devassar, abrindo desnecessariamente aos outros a própria intimidade.
O contrário da hipérbole é a hipossemia, que se caracteriza pela diminuição do valor significativo das palavras. Ocorre hipossemia, por exemplo, quando alguém afirma ter sentido “uma dorzinha” que o levou ao hospital; quando a mãe ameaça dar “umas palmadas” no filho; ou quando o ricaço diz que deu “um pulo” na Europa para saber as novidades.
                                                                                

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