(Texto escrito a partir de um breve questionário enviado ao "Grupo do Bigode" pelo professor e gramático Fernando Pestana.)
A gramática ajuda a escrever certo, mas não a escrever bem. Ela propicia a correção, mas não o engenho e a expressividade. Há exemplos de bons escritores que não dominam as regras gramaticais.
A
capacidade de escrever bem é inata, pressupõe o dom, aprimorado na leitura de grandes autores e na prática constante. Caracteriza o escritor, que se
distingue do redator. Redator se faz; escritor nasce. O fato de conhecer as
normas gramaticais, no entanto, se não é imprescindível ao escritor, não deixa
de ser para ele de muita utilidade. Poupa-o de apelar a revisores para acertar
uma concordância, uma colocação pronominal ou o emprego adequado de um
vocábulo.
A
gramática tem importante papel no âmbito escolar (e, por extensão, jurídico,
filósofico, profissional) por enfocar noções básicas sobre a estrutura e o
funcionamento da língua. A escola é o lugar onde se aprende a norma culta, que
propicia a disciplina do pensamento e o rigor no uso das palavras segundo
parâmetros gerais (universais). A norma se fundamenta na prática linguística
correta, que se torna referência pela possibilidade de se erigir em padrão.
Não se confunde com o estilo, que é
uma variante particular, pessoal. Essa é a razão pela qual nem sempre se podem
tomar os escritores como referências para o estabelecimento das normas
gramaticais. A norma advém de uma prática que prima pela correção, e nem sempre
quem escreve (penso no artista literário) está preocupado com isso. Já li em
Guimarães Rosa uma construção do tipo “Eu, gosto”, perfeitamente cabível no
contexto. Como uma frase dessa pode servir de abonação à regra segundo a qual
não se e separa o sujeito do predicado? Drummond deu a esse mesmo verbo uma
regência incomum para melhor associá-lo a “amar” na conhecida “Balada do amor através das idades”
(escreveu “eu te gosto”, que é bem mais informal e íntimo do que “eu gosto de ti”; traz o pronome, o objeto, para junto do emissor).
Contestar o ensino gramatical na escola
é um erro. O problema é que certos linguistas querem que adolescentes em idade
escolar tenham uma visão científica da língua. Ora, esses jovens estão num
período de aquisição de conceitos básicos e precisam conhecê-los até para
depois, se for o caso, contestá-los. Como no ensino médio ignorar as noções de
oração, frase ou período? Quem fizer isso sentirá dificuldades em tópicos como
concordância e pontuação.
Para bem compreender os desvios
normativos (responsáveis pelos efeitos de estilo), é preciso primeiro conhecer
a norma. Como ensinar figuras de sintaxe a quem ignora, por exemplo, o que são
ordem direta e ordem inversa? E como distinguir uma da outra sem saber
identificar os termos oracionais? Concordo com que para pontuar bem
deve-se “ouvir” o texto, mas a aquisição dessa habilidade exige boa base de
leitura (inclusive de poesia, que educa o ouvido) – o que nossos alunos
infelizmente não têm.
Uma coisa é a gramática, outra é a linguística. Esta pode arejar o ensino gramatical, impedindo que ele empaque na gramatiquice, mas não o substitui. Até mesmo porque essa não é a sua função. Uma ciência que pretenda ter um caráter normativo (e não se contestam normas sem implicitamente propor outras) descaracteriza-se como ciência.
Uma coisa é a gramática, outra é a linguística. Esta pode arejar o ensino gramatical, impedindo que ele empaque na gramatiquice, mas não o substitui. Até mesmo porque essa não é a sua função. Uma ciência que pretenda ter um caráter normativo (e não se contestam normas sem implicitamente propor outras) descaracteriza-se como ciência.