sábado, 8 de outubro de 2016

O risco das definições

          Definir é explicar o significado de um termo. Na perspectiva textual, pode ser um meio de introduzir o tema. A definição serve para suprir uma provisória falta de ideias. Não sabe como começar a redação? Comece definindo.
           Um aluno começou desta forma um texto sobre a rejeição aos homossexuais: “Homofobia é a aversão que se tem pelas pessoas do mesmo sexo”. Outro iniciou uma redação sobre o fanatismo religioso, escrevendo: “O fanatismo é a adesão cega, irracional, a determinada doutrina”. As definições são precisas, como se vê. A partir daí novas ideias surgem, com ilustrações, paráfrases ou desdobramentos para os conceitos formulados.    
       Mas a definição tem seus riscos. Um deles é o autor apresentar conceitos imprecisos. Outro é aprisionar o termo definido numa grade conceitual que o limita, pois sempre que definimos alguma coisa deixamos de lado atributos que também podem caracterizá-la.
           Numa redação sobre o relacionamento dos casais no mundo moderno, um aluno escreveu: “O ciúme é um conjunto de reações desencadeadas pela ameaça à estabilidade ou à qualidade de um relacionamento”.
         Por esse ponto de vista, o que provoca o ciúme é a “ameaça à estabilidade ou à qualidade do relacionamento”. Além de restrita, a definição é falha no sentido de que descreve não o sentimento, mas o efeito que ele provoca. Ameaça à estabilidade ou à qualidade de um relacionamento é mais produto do que causa do ciúme, que deriva de outras complexas razões.     
        O risco de definir é grande quando se conceituam termos científicos ou filosóficos. É preciso conhecer bem o que o termo significa para não cometer imprecisões como esta: “A filosofia existencialista defende que o homem é produto do meio em que está inserido.”
       O aluno mistura as bolas, pois o existencialismo nada tem a ver com o determinismo. A ideia de que o homem é condicionado por fatores como herança, meio e momento se opõe radicalmente à visão de mundo existencialista. Para ela o ser humano é fruto da sua liberdade; faz seu destino a partir de escolhas livres, que se fundamentam na consciência. Nada menos determinista do que isso.
         Outro exemplo de imprecisão se encontra nesta passagem de um texto sobre a relação entre autoestima e sucesso pessoal: 
         “A autoestima é a análise subjetiva de uma pessoa sobre si mesma. Muitas vezes ela acaba sendo erroneamente relacionada ao sucesso pessoal. No entanto, podemos verificar que a autoestima depende de três fatores: do reconhecimento dado às atitudes, do sentimento de ser amado e principalmente do amor-próprio.”
         Não dá para esperar muito de um texto quando o autor não sabe o que um dos componentes do tema significa. Desde quando a autoestima é a “análise subjetiva de uma pessoa sobre si mesma”? Longe de se constituir numa análise, ela é uma medida de afeição; traduz o grau de apreço que cada um tem por si. Segundo Freud, “mede o tamanho do ego”.
          Ás vezes a definição está correta quanto ao sentido, mas tropeça no aspecto formal. É o que ocorre neste início de redação sobre desenvolvimento sustentável: “Sustentabilidade é quando o desenvolvimento econômico preserva os recursos naturais”.
          Um dos requisitos para definir corretamente é que o termo definido e o que se afirma sobre ele sejam da mesma classe. Sustentabilidade é um substantivo; logo, não pode equivaler a uma oração temporal. Só nas chamadas definições conotativas, próprias da linguagem poética, pode-se dizer que “alguma coisa é quando...”. O aluno teria produzido uma formulação razoável (embora ainda incompleta) se tivesse escrito, por exemplo, que “sustentabilidade é um modelo de desenvolvimento econômico que preserva os recursos naturais”. 

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