terça-feira, 18 de outubro de 2016

Pleonasmos

         Pleonasmo é o excesso de palavras para indicar uma mesma ideia. Constitui um vício quando não reforça a expressão. Exemplo conhecido de reforço é a locução “vi com meus próprios olhos”, em que o adjunto adverbial enfatiza a veracidade do que se constatou. Expressivos são também os “epítetos de natureza”, que realçam atributos naturais de seres ou objetos: “mar salgado”, noite escura, gelo frio, “cadáver mudo” etc.
    Costuma-se, na área do pleonasmo, distinguir a tautologia da redundância. A tautologia consiste em dizer a mesma coisa com outras palavras. Numa redação sobre o desafio de convier com as diferenças, um de nossos alunos escreveu: “Conviver com o outro é um desafio para todos nós, pois cada indivíduo possui hábitos e opiniões diferentes, que não são iguais aos nossos.” As partes em negrito são tautológicas porque repetem o que está semanticamente expresso no verbo “conviver” e no adjetivo “diferentes”.
          Seguem outros exemplos, também retirados de redações:     
         - “O excesso de poder nas mãos dos traficantes faz com que a polícia declare uma guerra bélica contra eles, afetando civis e militares.”
      - “A dependência à opinião dos outros resulta em baixa autoestima, submissão passiva às vontades do outro e dificuldade em expressar sua opinião.”
         - “As pessoas colocam o trabalho como primeira prioridade na vida.”
        Em casos assim não há como falar em “epíteto de natureza”; a intensificação decorre, basicamente, do desconhecimento do sentido etimológico. Os autores ignoram que os substantivos “guerra”, “submissão” e “prioridade” contêm em seus radicais a ideia presente nos determinantes “bélica”, “passiva” e “primeira”. Pode-se argumentar quanto ao terceiro exemplo que existe uma hierarquia de prioridades, e que o aluno se referiu à mais importante. O contexto da redação, no entanto, mostrava não ser esse o caso.
        A redundância se distingue da tautologia por ser a “repetição de pormenores já implícitos em declaração prévia” (Othon M. Garcia, Comunicação em prosa moderna, p. 319). Exemplo: “De acordo com o pesquisador britânico Richard Lynn, os ateus são mais inteligentes do que os religiosos e possuem o quociente de inteligência (QI) significativamente mais alto.” O que se acrescenta sobre a maior inteligência dos ateus é desnecessário, pois está contido na informação anterior.
       Os exemplos dados até agora são de pleonasmos lexicais. Pode haver também repetições de vocábulos que não pertencem ao léxico; são os pleonasmos gramaticais: “Maria Fernanda Cândido está grávida do seu segundo filho”; “A traição ocorre exclusivamente em virtude da nossa vontade, e não dos aspectos da natureza humana”. Ambiguidade à parte, não há necessidade de pronome possessivo para indicar a gravidez da própria atriz. Da mesma forma, é supérfluo repetir o advérbio “só” por meio de “exclusivamente”; ambos significam a mesma coisa.
       Um conhecido pleonasmo gramatical é o objeto direto pleonástico: “A vida, o vento a levou”. O pronome oblíquo “a” repete o substantivo “vida”. Trata-se de pleonasmo porque o pronome, pela forma como se apresenta, pode exercer função sintática idêntica à do termo antecipado (no caso, a de objeto direto). Se o pronome viesse antecedido por um conectivo não poderia exercer tal função, o que determinaria uma ruptura na cadeia sintática (por exemplo: “A vida, não me importo com ela”). A esse tipo de quebra dá-se o nome de anacoluto.
        Merecem atenção os pleonasmos gramaticais que envolvem pronomes e advérbios relativos, em construções do tipo: 
        - “Vou dizer o nome das moças que meu amigo as viu no cinema.”
       - “Algumas pessoas poderão passar longos períodos de tempo sem encontrar uma pessoa com quem valha a pena se relacionar com ela.”
        - “Sua mente habita um mundo imaginário, onde coexistem ele e o mundo.”
     Os termos em negrito repetem os conteúdos expressos, respectivamente, no pronome “que”, no conjunto “com quem” (com a qual) e no advérbio relativo “onde”. Construções como essas devem ser a todo custo evitadas. Além de não terem valor estilístico, revelam deficiência na estruturação sintática.


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