domingo, 14 de março de 2021

Concisão: o menos vale mais


           “Quem muito fala muito erra” – diz o ditado. E quem muito escreve, além de também correr o risco de errar, tende a se perder no excesso de palavras. O exagero dessa tendência constitui a verborragia, ou seja, o ato de escrever demais e expressar um mínimo de ideias.

         O oposto da verborragia é a concisão, que se define como a economia de palavras. O poeta Jose Paulo Paes destaca essa qualidade em “Poética”: Conciso? Com siso // Prolixo? Pro lixo.” Jogando com os homônimos, ele afirma que o que é escrito com poucas palavras revela sensatez. E o que tem palavras em excesso (prolixidade é a “demasia ao falar ou escrever”) deve ir para o lixo. O poeta pratica o que defende, pois seu poema não tem mais do que dois versos.

         Um dos maiores desafios para quem escreve é eliminar o entulho verbal. Às vezes o autor tem que escrever duas ou mais versões do texto, sempre cortando, para chegar à simplicidade e à clareza que garantem a comunicação.

          Deparo-me com alguns desses entulhos em redações de alunos e vou tratar de dois deles aqui. O primeiro é a duplicação de palavras. Parece que usar apenas um verbo, ou um substantivo, não satisfaz o redator. É preciso emparelhá-lo com outro, embora nem sempre o resultado seja bom.  

      Por exemplo: “Necessitamos de medidas para ‘preservar’ e ‘cuidar’ do ecossistema”, “O trabalho ‘estimula’ e ‘eleva’ o amor-próprio”, “Nosso sistema carcerário ‘limita’ e ‘inibe’ a reintegração do preso à sociedade”, “Os pais precisam ‘orientar’ e ‘dirigir’ os filhos”, “É preciso manter a ‘atenção’ e o ‘foco’ nas metas”, “O professor deve estimular a ‘solidariedade’ e a ‘união’ do grupo”.

     O propósito do aluno é dar ênfase, mas o que ele consegue é o oposto. Um dos termos, por nada acrescentar ao outro ou estar nele contido, acaba enfraquecendo-o. Na correção deve-se cortar o que tem menor peso semântico. Basta dizer, por exemplo, “Necessitamos ‘preservar’ o ecossistema”. É impossível preservar sem cuidar (que por sinal é um verbo transitivo indireto, de modo que o aluno também cometeu uma falha ao atribuir o mesmo objeto a verbos de regências diferentes). O corte de um dos termos é recomendável em todos os exemplos do parágrafo anterior. Se o leitor tem dúvida, faça o teste.

    O segundo tipo de entulho está representado pelos os lugares-comuns. A farta presença deles nas redações preocupa, pois indica padronização do raciocínio e falta de visão crítica. O lugar-comum, como diz Alcir Pécora, é na verdade, um lugar de ninguém, uma cidade fantasma”.   Dá aos textos um aspecto indiferenciado e os torna previsíveis, sugerindo que foram escritos por um só autor.

          Um dos mais lugares-comuns frequentes é a tal “pergunta que não quer calar”. Outro é “valorizar o ter em detrimento do ser”, infalível quando se trata de criticar os efeitos do consumismo ou da globalização. A “falta de vontade política” é argumento desgastado para justificar a incompetência dos governantes que se tornam insensíveis “à voz rouca das ruas” (esse já martelou muito nossos ouvidos). Se o tema envolve o futuro ou a profissão, são comuns expressões como “priorizar as habilidades”, “manter o foco nas metas” ou agir “com garra e determinação”. Enfim, clichês é que não faltam. Para evitar o abuso vale a pena invocar a sabedoria grega, expressa neste lugar-comum eterno: a virtude está no meio.

            Um bom exercício para aferir o valor da concisão é reescrever provérbios. Costumo levar aos alunos essa prática, que tem de quebra o mérito de fazê-los consultar o dicionário. Leia a reescrita das sentenças que seguem e compare-as com a sua versão proverbial (entre parênteses). A formulação sintética realça a verdade que existe nelas e aumenta o impacto sobre o leitor:

 

1) Cada espécime dos primatas deve permanecer na subdivisão do caule de uma árvore ou arbusto que lhe é devida. (Cada macaco no seu galho.)

2) O Todo-Poderoso presta assistência aos que antes da ocasião própria levantam da cama ao alvorecer. (Deus ajuda quem cedo madruga.)

3) Quem sente grande afeição por alguém de aparência desagradável, desproporcional ou disforme, terá a impressão de que essa pessoa lhe suscita prazer estético. (Quem ama o feio, bonito lhe parece.)

4) Cada indivíduo cujo comportamento ou raciocínio denota alterações patológicas das faculdades mentais cultiva seus hábitos peculiares e obsessivos. (Cada louco com sua mania.)

5) Aquele que não dispõe de um mamífero carnívoro da família dos canídeos persegue animais silvestres para caçar ou matar com um pequeno mamífero carnívoro, doméstico, da família dos felídeos. (Quem não tem cão casa com gato.)

 

        Graciliano Ramos, que é um mestre da tesoura, costumava lembrar que a palavra deve “dizer”, e não servir de preenchimento para compensar o vazio das ideias. Tem razão o autor de “Vidas Secas”. Ser conciso, exato, além de transmitir o essencial demonstra respeito pelo leitor, que não vai perder tempo lendo o que nada lhe acrescenta.