O abuso ou o emprego pouco vernáculo do gerúndio, também conhecido por endorreia, é mal antigo em nossa língua. Rodrigues Lapa dá como exemplo dessa prática o uso do gerúndio com o valor de atributo, em frases do tipo: “Recebeu uma caixa contendo (que continha) roupas”. Mas ele não se mostra satisfeito com a correção proposta pelos puristas; vê em “que continha” uma construção artificial, “estilisticamente inferior”, e pondera que “o uso do gerúndio é em certos casos preferível à oração relativa”.
Atualmente a rejeição ao gerúndio deixou
de ter por foco o seu emprego como atributo para se concentrar em outro tipo de
construção – aquele em que a forma nominal vem antecedida pela dupla “vou estar”.
O modismo parece ter se iniciado com os operadores de telemarketing e daí migrado
para outras faixas da população.
Esse tipo de construção é de fato ruim e
deve ser combatido, pois soa pernóstico em nossa língua o uso de “vou estar” em
lugar de “estarei” – um auxiliar determinativo que remete a ação expressa pelo verbo
principal ao futuro. Tampouco tem cabimento o emprego do gerúndio se não há
ideia de duração ou simultaneidade.
Quando as ações são simultâneas, o uso da
forma nominal antecedida de um auxiliar no futuro é pertinente. Numa frase como
“Amanhã, enquanto você estiver no cinema, eu estarei estudando”, o emissor dá a
entender que o estudo vai ocorrer ao mesmo tempo que o interlocutor se
encontrar na sala de projeção. Caso não haja a noção de simultaneidade,
construções como “estarei estudando” e semelhantes podem ser substituídas com
vantagem por “irei estudar”, ou mesmo “estudarei”.
Há casos em que o problema com o uso do
gerúndio é mais grave. Vai além de clichês ou modismos como os comentados acima
– que prejudicam sobretudo o estilo – e afeta os mecanismos estruturais da
língua. Isso ocorre, por exemplo, quando o gerúndio introduz uma nova oração.
O desejável, nesse caso, é que o sujeito
da oração gerundial seja o mesmo da oração anterior. Numa frase como “Lourenço
deixou tarde a casa do pai, seguindo por uma rua escura”, Lourenço é o sujeito
tanto do verbo “deixar” quando do gerúndio “seguindo”. Nas situações em que os
sujeitos são diferentes, e o emissor não é capaz de explicitar esse fato, o
enunciado se torna incoerente.
Um exemplo disso aparece neste exemplo (retirado,
como os que seguem, de redações dos nossos alunos): “A
Outro exemplo de quebra estrutural
ocorre nesta passagem: “Os professores não possuem
Há casos em que o estudante identifica corretamente
os dois sujeitos, mas compromete a legibilidade devido a falha na pontuação: “O
Outro problema grave é a acumulação de
gerúndios, que produz períodos longos e mal concatenados. O aluno, às vezes por
comodismo, enfileira as orações sem nenhuma preocupação com o nexo que deve
existir entre elas. O resultado são períodos confusos e maçantes como o
seguinte: “Em regiões pobres as pessoas assistem mais TV do que leem, podendo-se observar que os níveis
de desenvolvimento na educação e na cultura não atingem valores
significativos, acarretando graves
consequências sociais.”
A substituição dos gerúndios por formas
desenvolvidas estabelece o nexo entre as orações: “Em regiões pobres as pessoas
assistem mais TV do que leem. Pode-se observar que nelas os níveis de
desenvolvimento na educação e na cultura não atingem valores
significativos, o que acarreta graves consequências sociais.”
Por fim, vale mencionar outra falha também frequente em redações: a presença do gerúndio introduzindo um fragmento de frase. Isso ocorre quando o emissor pretende com a forma nominal complementar um período, mas põe antes dela um ponto. Assim: “Com mais investimentos em educação, o País vai crescer. Diminuindo, assim, o complexo de vira-latas apontado por Nelson Rodrigues.” A oração introduzida pelo verbo “diminuir” parece iniciar um novo período, e não rematar o período anterior. Constitui um fragmento, pois a ela não se acrescenta oração principal. Um dos meios de resolver o problema é transformar o gerúndio em forma desenvolvida: “Com mais investimentos em educação, o País vai crescer. Diminuirá, assim, o complexo de vira-latas apontado por Nelson Rodrigues.”
O emprego abusivo do gerúndio constitui um vício de linguagem. Denota comodismo por parte do emissor, que prefere agrupar sem critério essa forma nominal a proceder à devida flexão do verbo. O leitor estará longe de lhe agradecer por isso.