terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Armadilhas do gerúndio


           O abuso ou o emprego pouco vernáculo do gerúndio, também conhecido por endorreia, é mal antigo em nossa língua. Rodrigues Lapa dá como exemplo dessa prática o uso do gerúndio com o valor de atributo, em frases do tipo: “Recebeu uma caixa contendo (que continha) roupas”. Mas ele não se mostra satisfeito com a correção proposta pelos puristas; vê em “que continha” uma construção artificial, “estilisticamente inferior”, e pondera que “o uso do gerúndio é em certos casos preferível à oração relativa”.

Atualmente a rejeição ao gerúndio deixou de ter por foco o seu emprego como atributo para se concentrar em outro tipo de construção – aquele em que a forma nominal vem antecedida pela dupla “vou estar”. O modismo parece ter se iniciado com os operadores de telemarketing e daí migrado para outras faixas da população.

Esse tipo de construção é de fato ruim e deve ser combatido, pois soa pernóstico em nossa língua o uso de “vou estar” em lugar de “estarei” – um auxiliar determinativo que remete a ação expressa pelo verbo principal ao futuro. Tampouco tem cabimento o emprego do gerúndio se não há ideia de duração ou simultaneidade.       

Quando as ações são simultâneas, o uso da forma nominal antecedida de um auxiliar no futuro é pertinente. Numa frase como “Amanhã, enquanto você estiver no cinema, eu estarei estudando”, o emissor dá a entender que o estudo vai ocorrer ao mesmo tempo que o interlocutor se encontrar na sala de projeção. Caso não haja a noção de simultaneidade, construções como “estarei estudando” e semelhantes podem ser substituídas com vantagem por “irei estudar”, ou mesmo “estudarei”.

Há casos em que o problema com o uso do gerúndio é mais grave. Vai além de clichês ou modismos como os comentados acima – que prejudicam sobretudo o estilo – e afeta os mecanismos estruturais da língua. Isso ocorre, por exemplo, quando o gerúndio introduz uma nova oração.

O desejável, nesse caso, é que o sujeito da oração gerundial seja o mesmo da oração anterior. Numa frase como “Lourenço deixou tarde a casa do pai, seguindo por uma rua escura”, Lourenço é o sujeito tanto do verbo “deixar” quando do gerúndio “seguindo”. Nas situações em que os sujeitos são diferentes, e o emissor não é capaz de explicitar esse fato, o enunciado se torna incoerente.      

Um exemplo disso aparece neste exemplo (retirado, como os que seguem, de redações dos nossos alunos): “A saúde dos fumantes e dos que estão ao seu redor fica debilitada, podendo causar, entre outras doenças, câncer de pulmão.” Pela forma como se estruturou o período, parece que o sujeito de “podendo causar” tem como núcleo “saúde”. Essa interpretação obviamente não tem sentido, pois a causa do câncer de pulmão e de outras doenças não pode ser a saúde dos fumantes e dos que os cercam. O sujeito da locução com o gerúndio é o conteúdo de toda a oração que o antecede, o qual pode ser resumido num anafórico (“isso”, iniciando um novo período; ou “o que”, após uma vírgula). Por exemplo: “A saúde dos fumantes e dos que estão ao seu redor fica debilitada. Isso pode causar, entre outras doenças, câncer de pulmão.”

Outro exemplo de quebra estrutural ocorre nesta passagem: “Os professores não possuem mais a fama de carrascos, facilitando a relação entre eles e os alunos”. Pela forma como o aluno construiu a frase, parece que o sujeito de facilitando é “os professores” e não todo o conteúdo da primeira oração. Ora, é o fato de os professores não mais terem a fama de carrascos que torna fácil a relação entre eles e os alunos. O uso de “o que” daria clareza ao enunciado: “Os professores não possuem mais a fama de carrascos, o que facilita a relação entre eles e os alunos”.

Há casos em que o estudante identifica corretamente os dois sujeitos, mas compromete a legibilidade devido a falha na pontuação: “O ideal é não adotar essa postura de subordinação conciliando o bem-estar com a independência diante dos professores.” Nessa passagem, o sujeito de “conciliando” é o mesmo do infinitivo “adotar”. A oração reduzida equivale a uma oração coordenada (e conciliar), no entanto a ausência da vírgula antes do gerúndio dificulta ao leitor a percepção disso.  

Outro problema grave é a acumulação de gerúndios, que produz períodos longos e mal concatenados. O aluno, às vezes por comodismo, enfileira as orações sem nenhuma preocupação com o nexo que deve existir entre elas. O resultado são períodos confusos e maçantes como o seguinte: “Em regiões pobres as pessoas assistem mais TV do que leem, podendo-se observar que os níveis de desenvolvimento na educação e na cultura não atingem valores significativos, acarretando graves consequências sociais.”

A substituição dos gerúndios por formas desenvolvidas estabelece o nexo entre as orações: “Em regiões pobres as pessoas assistem mais TV do que leem. Pode-se observar que nelas os níveis de desenvolvimento na educação e na cultura não atingem valores significativos, o que acarreta graves consequências sociais.”

Por fim, vale mencionar outra falha também frequente em redações: a presença do gerúndio introduzindo um fragmento de frase. Isso ocorre quando o emissor pretende com a forma nominal complementar um período, mas põe antes dela um ponto. Assim: “Com mais investimentos em educação, o País vai crescer. Diminuindo, assim, o complexo de vira-latas apontado por Nelson Rodrigues.” A oração introduzida pelo verbo “diminuir” parece iniciar um novo período, e não rematar o período anterior. Constitui um fragmento, pois a ela não se acrescenta oração principal. Um dos meios de resolver o problema é transformar o gerúndio em forma desenvolvida: “Com mais investimentos em educação, o País vai crescer. Diminuirá, assim, o complexo de vira-latas apontado por Nelson Rodrigues.”

O emprego abusivo do gerúndio constitui um vício de linguagem. Denota comodismo por parte do emissor, que prefere agrupar sem critério essa forma nominal a proceder à devida flexão do verbo. O leitor estará longe de lhe agradecer por isso.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Coisas

 

Dois amigos conversam após a aula de filosofia.    

– Viu que coisa?

– Vi. Achei a aula coisificante!    

– Ele não explicou o que disse que ia explicar.   

– Pois é. O conceito kantiano da...

– Isso! Da “coisa em si”!    

– “O que está além da representação, inacessível ao intelecto e aos sentidos”. Esse era o espírito da coisa, mas terminei sem entender bulhufas.

– Ele poderia ter explorado mais a noção de “coisidade” da coisa. Ou mesmo de alienação, apelando dialeticamente para Marx.

– Marx?! Não misture as coisas.

– Sei que o tema é complexo, mas com algum esforço ele talvez conseguisse.  

– Talvez. A coisa só não foi pior porque ele acabou reconhecendo a falha. Essa foi para mim a melhor coisa da noite: o seu reconhecimento de que não é lá grande coisa.

– Também não humilhe o homem... Isso é coisa de ressentido.

– Ressentido coisa nenhuma.

– Não podemos julgar o professor apenas por esse erro. Cada coisa tem sua medida, não é certo extrapolar.

 –Tá bom. Mas saiba uma coisa: se aquilo se repetir, eu pego uma coisa da sala e jogo nele. 

– Que coisa?

– Uma bem pesada, claro.   

–Tolice. Isso não é coisa que se faça. Ele tem o seu valor.

– Tinha! Veja como são as coisas: não faz muito tempo ele era o tuxaua, uma "coisa" em termos de filosofia. E agora?

– Mas ele vai se reabilitar. Se há uma coisa certa neste mundo, é que um dia se segue ao outro.

– Se reabilitar como? Fazendo o quê?

– Sei lá. Qualquer coisa que nos leve de novo a confiar nele.

– E qual seria?

– Aí é que está a coisa: cabe a ele descobrir.

– Desconfio de que não conseguirá.    

– Por quê? Você está com má vontade... Pegue suas coisas e vamos embora.

– Já vou. Mas tem uma coisa: se ele não se reabilitar, vou passar isso na sua cara. Você está defendendo demais aquele coisa-ruim. Parece até que há... alguma coisa entre vocês dois.

Vamos embora, antes que eu me irrite! Você já não está falando coisa com coisa!

A nota

 O maior risco da interpretação é o intérprete ver no texto o que ele não tem. A essa prática dá-se o nome de superinterpretação, que não se confunde com o preciosismo. O preciosismo é o hábito de usar palavras “difíceis” para disfarçar a ausência de conteúdo (palavras demais, como se sabe, correspondem a ideias de menos).

            Já a superinterpretação diz respeito ao leitor, que vai além do que está dito. Vislumbra intenções, sutilezas, duplos sentidos onde muitas vezes não há mais do que mediocridade semântica. Quando o criticam, diz que o texto é uma obra aberta (só que ele tenta abri-la demais!).

            A superinterpretação pode ocorrer de boa ou de má-fe. Um exemplo do segundo caso é a correção que certo professor fez ao texto de um estudante que “precisava passar”. O tema da redação era “a amizade”, e o aluno escreveu apenas o seguinte: “Num tô afim de falá disso agora, pô. Tô sem ninguém.”

            O mestre lhe deu 9,0. Convocado à diretoria para se explicar, redigiu o seguinte comentário:

 

             O texto é sintético, ou seja, não revela o pecado da verborragia. A economia de meios expressivos se constitui num importante fator de coerência, pois o excesso de palavras não combinaria com a resolução do aluno em não escrever. Essa atitude de recusa, em que se percebe um misto de tédio e rebeldia, determina o minimalismo que orienta toda a redação.

            Vejamos algumas provas disso. O advérbio “não” é trocado por “num”, bem mais incisivo devido à ausência do ditongo. Com um “não” é possível negociar; com um “‘num” (abusado e peremptório), jamais. Merece também realce a troca de “estou” por “tô”, em que a aférese (supressão de fonemas iniciais) reforça a propensão ao tartamudo, ao pontual, ao monossilábico, própria de quem não quer muita conversa.

             A seguir vem uma infração à norma culta que, no entanto, se torna funcional no contexto de rejeição instaurado desde as primeiras linhas. A troca de “a fim” por “afim” (um erro de morfologia) justifica-se pela intenção de condensar o sentido dos homônimos. É como se o valor de finalidade contido na locução prepositiva se enlaçasse à ideia de afinidade presente no adjetivo, numa espécie de fusão fonossemântica que procura destacar a indisposição afetiva. O aluno parece dizer, com ceticismo: “Não estou a fim de um afim”, dando a entender que se cansou de procurar um amigo.

            O ceticismo também explica a forma verbal “falá”, pois a presença do “r” sugeriria uma vibração em nada condizente com o ânimo do autor (de uma seca e exasperada contundência). Tal ânimo se confirma no uso do monossílabo de teor exclamativo que aparece no fim do período: “pô”. Esse “pô”, com apócope (omissão de fonemas finais), acentua a dramaticidade da negativa.

             No segundo período repete-se a aférese (tô), mas agora seguida por uma expressão em português correto (sem ninguém). Nessa parte do texto, de um confessionalismo despojado, o estudante explica suas razões. Percebemos que as omissões e os deslizes se deveram a ele estar sozinho e, nesse estado, não ver sentido em escrever sobre a amizade. Compreendemos então que a recusa foi determinada por razões existenciais, que encontraram um correlato perfeito nas escolhas linguísticas.

          Essa é a explicação para a nota que lhe dei.

 

           O aluno passou. O professor, claro, perdeu o emprego. Algum tempo depois, foi contratado pelo jornal da situação. Dizem que sua função no periódico é fazer a crítica dos poemas do governador.

Notas sobre a voz passiva

 

Há manuais de redação que rejeitam o uso da voz passiva. Orientam que se diga, por exemplo, “O diretor suspendeu os alunos”, em vez de “Os alunos foram suspensos pelo diretor”. Existem casos, no entanto, em que a passiva é desejável. Nem sempre interessa ao redator afirmar que alguém faz alguma coisa. Ele pode querer dizer que alguma coisa “é feita”, destacando o termo que sofre a ação. Afirmar “o livro foi lido em pouco tempo pela turma” não é o mesmo que dizer “a turma leu o livro em pouco tempo”. No primeiro caso o foco recai no livro; no segundo, recai na turma.

Segundo Steven Pinker, “muitas vezes o escritor precisa desviar a atenção do leitor para longe do agente de uma ação. A voz passiva lhe dá essa possibilidade” (“Guia de escrita”, p. 75, Contexto). Por exemplo: “Quem não estiver de farda será proibido de entrar.” Proibido por quem? A passiva é um meio de camuflar o responsável por essa antipática interdição.

O propósito de esconder o agente pode se dever também a modéstia. Na apresentação de uma monografia, o autor tende a escrever: “Um enorme tempo foi gasto para levantar as fontes”. A passiva é um meio de ele “disfarçar” que dedicou muito tempo à tarefa. Outra forma seria usar o “plural da modéstia”, que também é uma forma de atenuar o egocentrismo (“Gastamos” um tempo enorme para levantar as fontes). Mas nesse caso o foco não mais estaria no tempo despendido.   

Omitindo o agente da ação, corre-se o risco de dar ao leitor uma falsa ideia de quem a pratica. É o que ocorre nesta passagem da redação de um aluno: “No texto Cortina de Burrice, de Cláudio de Moura e Castro, é feita uma comparação entre a sociedade brasileira e a europeia.”

O estudante dá a entender que a comparação entre a sociedade brasileira e a europeia é feita por outra pessoa, e não pelo próprio Cláudio de Moura e Castro. Ele não correria esse risco se tivesse optado pela voz ativa: “No texto Cortina de Burrice, Cláudio de Moura e Castro faz uma comparação entre a sociedade brasileira e a europeia.”

Vale a pena lembrar que a manutenção da voz concorre para a unidade do texto. Se a voz ativa aparece na primeira oração, é desejável que também apareça na(s) seguinte(s). O efeito é muito ruim quando isso não ocorre. Veja: “Os bandidos destruíram as evidências do crime e novas provas foram forjadas.” Se o sujeito é o mesmo (os bandidos), por que mudar a voz? É mais prático e direto dizer: “Os bandidos destruíram as evidências do crime e forjaram novas provas.” 

A voz passiva analítica (feita com verbo auxiliar) deve ser usada com parcimônia. Seu exagero tende a dificultar a leitura devido ao excesso de locuções. O prejuízo para o estilo é grande. Confira neste exemplo: “Foi feita” uma pesquisa para sondar a preferência dos homens quanto às mulheres com quem gostariam de “ser casados”. “Foram rejeitadas” por grande parte deles as liberais, as muito bonitas e as que já tinham filhos de outros casamentos.

O ideal, em casos como esse, é optar pela voz passiva sintética (com o pronome “se”) ou pela voz ativa, em que é natural a ordem direta. O texto melhora muito com as modificações: “Fez-se” uma pesquisa para sondar a preferência dos homens quanto às mulheres com quem gostariam de “se casar”. Grande parte deles “rejeitou” as liberais, as muito bonitas e as que já tinham filhos de outros casamentos.

Antes de encerrar estas notas, chamo a atenção para uma escolha bizarra que por vezes aparece nas redações. Trata-se de uma espécie de cruzamento entre a voz passiva analítica e a sintética. Pincei de outro aluno este exemplo: “Não é novidade dizer que no Brasil não se é cumprida as leis ambientais.” “Não se é cumprida”? Isso não existe em português. O aluno deveria dizer que as leis ou “não são cumpridas”, ou “não se cumprem”.

         Como se vê, não há motivo para rejeitar de antemão a voz passiva. O importante, como em toda escolha linguística, é atentar para a pertinência do seu emprego. Redige bem aquele que, imune a interdições preconceituosas, adapta a língua aos seus propósitos expressivos.

sábado, 10 de outubro de 2020

Dicas para quem vai fazer concurso

              


                     
                 Estude cedo e sempre

        Não deixe para estudar Português na última hora. É difícil, em pouco tempo, adquirir habilidade de leitura e domínio das normas gramaticais. As provas estão muito voltadas para a capacidade de o aluno interpretarproduzir textos; diante disso, o concursando deve ter hábito de leitura, treinar bastante a comunicação escrita e estudar gramática durante um tempo razoável a fim de adquirir domínio da norma culta 

         Quem estuda bem Português não aprende para concursos; torna-se um usuário competente da língua pelos anos afora. Isso faz diferença na vida profissional.


                             Fique atento ao que mais cai na prova

 O que se prioriza hoje são os mecanismos que promovem a textualidade, entre os quais se destacam a coerência, a coesão, a informatividade. Foi-se o tempo em que o importante era decorar nomenclatura e classificar orações. Hoje o aluno tem que demonstrar um conhecimento ativo, funcional, da língua. É fundamental ainda conhecer as técnicas de leitura e interpretação dos textos, bem como se preparar de forma objetiva, ou seja, lendo e resolvendo provas anteriormente elaboradas por órgãos como Esaf, Cespe, Cesgranrio, etc.

             

                             Treine muito leitura e interpretação de textos

      O problema de ler e interpretar textos é primeiro semântico; tem a ver com a dificuldade em compreender o vocabulário. Depois se estende à esfera estrutural e lógica. Uma boa providência é colocar o texto na ordem direta e procurar fazer inferências (deduções) a partir dos conteúdos apresentados. Isso é fundamental em provas de concursos, cujos textos destacam mais as ideias do que as emoções.

Ler bem é explorar todas as virtualidades de um texto, relacioná-lo com outros textos e com o mundo ao redor. As bancas de concurso vêm cada vez mais exigindo essas habilidades.

                

                Prepare-se para as provas discursivas 

As provas discursivas permitem uma melhor avaliação dos conhecimentos linguísticos dos alunos, que são levados não apenas a reconhecer as estruturas corretas, mas também a produzi-las.

Isso requer uma atenção redobrada. É preciso, por exemplo, muito cuidado com a ortografia e com a sintaxe de concordância e regência. Gramaticalmente, esses são os erros mais comuns nesse tipo de provas.

A par disso, é preciso estruturar as respostas de modo a que elas efetivamente respondam o que foi pedido. Respostas lacunosas ou prolixas denotam um domínio precário do idioma, o que obviamente compromete a avaliação


                           Leia livros...

    É fundamental conhecer os bons autores  os chamados clássicos, que constituem referência de expressão linguística. Neles se aprende gramática de maneira indireta, mas não menos eficaz. Sobretudo, neles se aprende a usar bem a língua. É preciso entender que a gramática nada mais é do que uma sistematização dos usos linguísticos presentes nos bons escritores (e redatores).

Se não se tem tempo para ler Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector e outros, pode-se com muito proveito ler os bons colunistas de revistas e jornais. O Brasil, historicamente, tem uma tradição de jornalistas-escritores que vem de Bilac, Machado, João do Rio, Nelson Rodrigues, Rubem Braga e vários outros.

Estes autores morreram, mas deixaram um legado que se estende a muitos nomes hoje em atividadetanto no País quanto aqui mesmo, na Paraíba, ondeexcelentes cronistas.

 

                                 ...revistas e jornais 

           Os bons jornais e revistas são excelentes subsídios para o conhecimento da língua. Neles geralmentebons articulistas, que dominam a palavra escrita e, pela própria natureza do veículo em que escrevem, são levados a exercitar ao máximo qualidades como a clareza e a concisão.

Esses escritos são referenciais preciosos para quem deseja produzir um texto enxuto e objetivo. Além disso, eles trazem informações de natureza variada, o que é essencial para aumentar a compreensão dos problemas que ocorrem no mundo. Sem esse conhecimento, ninguém chega a ser um bom leitor.

 

                                  Aprenda a estudar 

            Passe e repasse todos os itens do programa. Resolva provas de anos anteriores referentes ao tipo de concurso que vai fazer. Procure uma boa orientação, para não correr o risco de estudar errado. Em provas de concursos, devem-se concentrar os esforços naquilo que é decisivo; para facilitar isso, há todo um histórico de como procedem as entidades responsáveis pela elaboração das provas. É fundamental conhecê-lo.

                                              

                                 Cultive a disciplina

         Ter disciplina é fazer o que deve ser feito quando se desejaria fazer outra coisa. 

       Trace uma meta e procure alcançá-la com persistência e disciplina. Existem alunos que se matriculam em nosso curso, frequentam-no um mês e depois desaparecem. Um dia voltam, recomeçam a frequentá-lo e desaparecem de novo. Parecem pessoas mal resolvidas, que precisam em algum momento fingir que estão estudando. Esse modo de agir termina levando ao cansaço e à desistência.


                   Redobre os cuidados nas provas da área jurídica

 O texto jurídico exige sobretudo clareza e rigor. O vocabulário jurídico é unissêmico, ou seja, nele cada palavra tem um valor único, imune às extrapolações da linguagem figurada. A ele repugna a ambiguidade, qualquer desvio é comprometedor (enquanto o texto literário, por exemplo, tira sua riqueza da polissemia e, em parte, dos “desviosem relação à norma).

          Nesse tipo de provas, todo cuidado é pouco com a ordem das palavras, o sentido, a pontuação. Uma vírgula mal colocada pode obscurecer o pensamento e gerar controvérsias interpretativas.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Paixão e escrita

Dizem que a paixão cega, por isso os apaixonados não percebem os defeitos dos parceiros. Uma tradução aproximada dessa verdade se encontra no velho ditado: “Quem ama o feio, bonito lhe parece”. Os apaixonados são movidos por razões que só Freud explica – e aqui não me limito a repetir um clichê. Para o criador da Psicanálise nossa atração pelo objeto amoroso decorre de nebulosas determinações inconscientes, que remontam às vivências infantis.

O amor paixão (pois há o amor amor, que não se enquadra no modelo a que me refiro) não passa pelo teste de realidade, pois se alimenta da fantasia. Alguém já escreveu que a gente se apaixona por metáfora, ou seja, pela semelhança que encontra entre o ser real e uma imagem dele moldada em nosso inconsciente. Nunca são a mesma pessoa, e uma delas (o ser real) pode até desmerecer a outra. Eis por que a paixão tem um tempo, um prazo de validade; vai sucumbindo à proporção que do ser idealizado emergem os traços reais.

É mais ou menos como naquele truque de espelhos em que a mulher se metamorfoseia em macaco. Lembro-me de um número desse tipo na Festa das Neves. Aos poucos Monga, a Bela, vai se transformando num símio feio e agressivo. Só que, ao contrário do que ocorre na encenação, na vida a mudança não tem volta. O jeito então é domar o macaco, habituar-se com sua feiura, aprender a conviver com ele. Essas são artes do amor.

O fato é que ninguém se apaixona movido pela razão. Por isso achei curiosa esta passagem publicada num site de adolescentes:

 “Sempre me correspondi com meus amigos via e-mail e acabei conhecendo outras pessoas por meio da rede. Cheguei a namorar um dos caras com os quais eu conversava. Mas fui percebendo, com o tempo, que ele escrevia muito mal. Uma vez cheguei a lhe devolver um e-mail com as correções. Ele ficou uma fera. Mas não dava para admitir coisas como ‘ficou para traz’, ou ‘voçê’, ou ‘vamos comê’. O namoro perdeu um pouco do brilho. Se antes de iniciar o relacionamento eu soubesse que ele escrevia assim, provavelmente não teria nem começado.”

A garota que escreveu isso é uma exceção, claro. Para ela o feio linguístico não parece bonito; pelo contrário, é um defeito que pode tornar inviável a aproximação com um eventual pretendente. Samara (o nome dela) não está disposta a se relacionar com quem desconhece a língua a ponto de cometer erros grosseiros de ortografia. Quer alguém que saiba um mínimo de gramática.

Dirão os românticos que ela só pensa assim porque nunca amou de verdade. Pode ser. Mas o fato de condicionar o namoro a um mínimo de conhecimento linguístico revela um espírito arguto e cuidadoso. Samara deve saber que a ligação amorosa começa com o corpo mas se alimenta mesmo é das ações e das palavras, e que não dá para viver com quem não sabe se expressar.

Ela intuiu uma verdade que a gente confirma lendo as memórias de conquistadores célebres, como Casanova. Eles foram sobretudo hábeis usuários da língua. Podiam até não ser sinceros, mas sabiam que no jogo da conquista a lábia conta mais do que os lábios. E que no discurso reside talvez a mais legítima expressão espiritual do amor. Daí os bilhetes, as cartas, os registros na internet, que buscam testemunhar o que os apaixonados sentem. Imaginem esses textos escritos num português indigente como o usado pelo “cara” com quem Samara se correspondia!

    Barthes escreveu que só tem sentido falar “Eu te amo” uma vez. Depois disso, a declaração vira banalidade. Para que o sentimento não morra, deve se alimentar não apenas de ações como também de um discurso que traduza o universo espiritual e, sobretudo, os interesses comuns aos dois. O amor não acaba quando morre o desejo. Acaba quando os amantes não têm mais o que dizer. Ou têm, mas não sabem como fazê-lo.