A frase abaixo foi retirada de uma matéria da IstoÉ sobre um medicamento contra a impotência:
“Por ser ingerido diariamente, não é preciso calcular quando ter relação
(os outros remédios
exigem um tempo
para fazer efeito ).”
Li críticas de professores de
português à flexão do verbo “ter” nessa passagem. Dizem que a forma correta é “tiver”,
pois ele estaria empregado no futuro do subjuntivo. Um dos que defendem esse ponto
de vista escreve: “Este
(o futuro do subjuntivo) participa de orações iniciadas pela conjunção ‘se’
(condição hipotética futura) ou pela conjunção ‘quando’ (tempo hipotético
futuro).”
A explicação seria correta se o vocábulo
“quando” naquele contexto fosse mesmo conjunção. Ou seja: se a oração iniciada
por ele se classificasse como adverbial temporal. Não é isso que ocorre.
Vejamos por quê. O autor da matéria se
refere a um medicamento que, ao contrário de outros com o mesmo fim, pode ser
usado todos os dias. Essa frequência traz uma vantagem ao usuário: não precisar
calcular o momento adequado para ter relação. Tal vantagem não existe em drogas
similares, que “exigem um tempo para fazer efeito” e, consequentemente, determinam
que os usuários escolham a melhor ocasião de tomá-las.
Assim, a palavra “quando” naquela frase não é
conjunção, mas advérbio. Introduz oração objetiva direta, na qual exerce
função sintática. Considerar a oração indicada pelo “quando” como temporal
deixaria sem complemento o verbo “calcular” e sem sentido a frase (calcular o
quê?). De fato, o autor não quis dizer
que se precisa calcular “alguma coisa” no momento de ter relação; esse momento
(ou seja, o “quando ”)
é o próprio objeto
do cálculo .
Nesse tipo
de construção a oração objetiva se diz justaposta, pois é introduzida por um
termo que, ao contrário da conjunção, exerce função sintática. Além de “quando”,
podem aparecer outros advérbios ou locução correspondente. Por exemplo:
- “não
é preciso calcular
como ter
relação ” (modo)
- “não
é preciso calcular
onde ter
relação ” (lugar)
- “não
é preciso calcular
quanto ter relação ”
(intensidade)
- “não
é preciso calcular
por que
ter relação ”
(causa)
O infinitivo, nesse caso, constitui
o verbo principal de uma locução com auxiliar modal implícito (poder ou dever):
“não é preciso
calcular quando
(se pode ou deve) ter relação”.
Enganos como o acima
referido mostram o perigo de classificar vocábulos ou orações sem atentar para
o sentido da frase. Resultam de um hábito por vezes comum no aprendizado da
língua, que é o de decorar classes de palavras. Quem faz isto parece esquecer que
elas se definem de acordo com o contexto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário