sábado, 3 de setembro de 2016

Use vocábulos precisos

      Uma das condições para escrever bem é usar as palavras com precisão. Infelizmente nem sempre se constata essa virtude nas redações, por motivos que variam da semelhança entre os vocábulos (parônimos) ao desconhecimento do que eles significam.
      Precisão não é concisão. A concisão se relaciona com o pensamento e a estruturação da frase. É a capacidade de dizer o essencial com poucas palavras. Um texto conciso é aquele em que não há o que cortar. A precisão, por sua vez, diz respeito ao emprego exato das palavras. Exige o conhecimento do dicionário e a percepção dos sentidos que os vocábulos assumem nos variados contextos. O oposto da concisão é a redundância; o oposto da precisão é a ambiguidade.  
          Vejamos alguns casos extraídos de redações. Entre os verbos, é comum a escolha indevida de “suprir”, “sofrer” e “melhorar”. Exemplos:
    - “O diálogo é de extrema importância para construir um mundo mais humano e suprir os conflitos.”
- “O país sofreu grandes avanços nos últimos anos.”
- “Há algumas semanas, o governo viu na importação de médicos estrangeiros uma das formas de melhorar esse problema.” 
       “Suprir” significa “preencher”, “prover”, “completar”. É inadequado, então, afirmar que se “supre” um conflito. O engano talvez se explique pela confusão que comumente se faz entre esse verbo e “evitar”, ou “solucionar”. É também inexato dizer que um país “sofre avanços”. “Sofrer” significa “padecer”, “ser alvo de um golpe físico ou emocional”. Essa ideia não se compatibiliza com a euforia que os avanços sociais e econômicos trazem. Um país “experimenta” ou “passa por” avanços.  
      “Melhorar um problema” não deixa de ser ambíguo. Seria aperfeiçoar o problema e com isso torná-lo, digamos, mais problemático? Ou se trata de reduzir os seus efeitos? Em nenhuma das duas possibilidades se cogita do essencial, que é “resolvê-lo”.
         Entre os adjetivos não raro se confunde “propenso” com “propício”, como se vê nesta passagem: “As pessoas que têm amigos felizes e saudáveis são também propícias a seguir o exemplo deles.” “Propenso” quer dizer “tendente”, “suscetível”. É o particípio irregular do verbo “propender”, com o qual se relaciona o substantivo “propensão” (tendência). Já “propício” significa “conveniente”, “adequado” (fala-se, por exemplo, de uma “ocasião propícia”).
        Há trocas que podem comprometer o redator. Num texto sobre ciência e religiosidade, um aluno escreveu: “Logo, se faz necessário que os religiosos sejam mais volúveis em relação aos dogmas de suas igrejas.” Ao confundir “flexíveis” com  “volúveis”, ele sugere que os religiosos sejam levianos, mudem facilmente de opinião acerca de pontos fundamentais de suas crenças. Conselho nada edificante!   
         Quando a confusão se dá entre parônimos, pode ocorrer ou não um leve parentesco semântico. Num ou noutro caso, as escolhas por vezes soam engraçadas. Confiram:   
- “A corrupção está agarrada na mentalidade dos países subdesenvolvidos.”  
- “Funcionários públicos roubam os impostos para custear o luxo, e a população, mesmo dotada de cerne, não faz nada a respeito.”
- “A ONG Luz da Vida representa uma melhor alternativa para as raras e mal gestadas clínicas de reabilitação do governo.”
- “No ápice dos seus 40 anos, Ana Cláudia trabalha como farmacêutica em uma distribuidora de remédios e produtos farmacêuticos.”
        A corrupção não “se agarra” – “se arraiga”. Há um nexo nessa troca, pois o que se enraíza “se agarra” mesmo na terra, mas o vocábulo escolhido está mal empregado. Quanto a “cerne”, embora tenha idêntico radical, não é o mesmo que “discernimento”; significa “âmago”, “centro”. “Discernimento” é a capacidade de julgar, perceber diferenças, e caberia bem na frase do aluno. 
         “Gestar” nada tem a ver com “gerir” (administrar). Certamente a troca de “geridas” por “gestadas” se deveu ao contexto; gestar é “formar e sustentar (um filho) no próprio organismo”. Não está claro, por fim, o que significa “ápice dos seus 40 anos”. Seria o quadragésimo nono ano, ou seja, um apenas antes que se completem os cinquenta? É pouco provável. O aluno quis se referir à faixa etária em que, pela experiência e maturidade, o indivíduo está no auge.


                                                                                   www.chicoviana.com

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