terça-feira, 6 de setembro de 2016

É mais grave repetir ideias do que palavras

        Os professores de redação geralmente orientam os alunos a não repetir palavras. A repetição denota pobreza vocabular e torna o texto monótono. Vai de encontro à própria natureza da prosa, que se caracteriza pela progressão diversificada do pensamento.   
         Um de meus alunos levou muito a sério essa recomendação. Tanto que escreveu num texto sobre a diferença na forma como os pais de duas diferentes culturas educam os filhos: “Enquanto nos países latinos os procedentes são tratados com excesso de amor, nos escandinavos eles são tratados apenas com respeito.”  
         O estudante não quis repetir “filhos” e substituiu essa palavra por outra que lhe pareceu adequada. Talvez tenha ido ao dicionário e se deparado com este sentido de “procedente”: “que descende de”, “descendente”. Só que esse vocábulo é um adjetivo, e não um substantivo. Além do mais, não constitui um equivalente semântico para “filhos”. Na melhor das hipóteses funcionaria com um substituto precioso, pouco natural.
      O ideal é que o redator tenha um repertório vocabular que lhe permita variar as palavras. Na falta disso, é melhor repetir do que tornar obscura a mensagem.  Autran Dourado escreve, em “Meu mestre imaginário”, que “não repetir palavras é uma bobagem muito grande”. O que ele diz se aplica sobretudo à prosa literária, na qual a repetição tem valor estilístico, mas vale também para os gêneros em que a maior preocupação é argumentar.  
         Nesses últimos, por sinal, mais grave do que repetir palavras é repetir ideias. A recorrência de conceitos, propostas, informações tende a fazer o texto circular em torno de um mesmo ponto. Sugere que a redação foi mal pensada e que o autor não elaborou um esquema que o conduzisse da introdução à conclusão.

          É possível, mesmo repetindo palavras, fazer avançar o raciocínio e defender com sucesso um ponto de vista. O que não se pode é apresentar com rigor e clareza a opinião num texto truncado, em que a falta do que dizer traduz-se em insuficiência argumentativa. 

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