(influências
semânticas na escolha dos parônimos)
Um dos fatores que concorrem para isso
é a escolha errada entre dois parônimos. Parônimas, como se sabe, são palavras
que se assemelham pela pronúncia. As gramáticas citam exemplos como os de
“infligir e infringir”, “intemerato e intimorato”, “eminente e iminente”; nesses
pares, a semelhança fônica faz com que não raro se troque um dos vocábulos pelo
outro.
A análise das redações, quanto a esse
aspecto, nos leva a uma interessante constatação: os parônimos tanto induzem ao
erro, quanto aparecem como alternativas para suprir o vazio de um pensamento
que não encontra a sua forma. O que o aluno escreveria, por exemplo, se não lhe
ocorresse usar “consistência” em lugar de “constância” numa frase como “É preciso evitar a consistência com
que isso
ocorre”?
Dificilmente optaria por um termo mais
preciso, como “frequência”; o mais provável é que não formulasse o juízo que
formulou. A existência do parônimo se constitui num recurso para que ele tenha
dito o que disse, abeirando-se muitas vezes do sentido adequado. A semelhança
sonora entre os vocábulos demonstra que ele tinha uma vaga ideia do que
“constância” significa -- tanto que pensou estar usando essa palavra quando
escolheu a outra.
O uso inadequado dos parônimos
decorre basicamente de uma confusão formal, mas isso não significa que o fator
semântico não concorra para a troca dos termos. Nesse ponto ocorre o oposto do
que acontece nos tradicionais equívocos apontados pela gramática.
Quem
troca “infligir” por “infringir” não o faz sugestionado por um vínculo de
sentido. Pelo contrário, não há nenhuma relação entre essas palavras. Já entre
“constância” e “consistência” parece haver um parentesco metonímico; quem é
constante, afinal de contas, demonstra alguma consistência interior.
O mesmo ocorre nas passagens abaixo,
retiradas também de redações de nossos alunos:
“Estas indagações
são feitas
pela sociedade ,
que muitas vezes
se contradiz ao avanço
da medicina”; “São pais
antiquários ,
que prendem demais
os filhos”; “A força da moda
encucou nos
consumidores esse
padrão por
ela estabelecido”; “Ninguém
é capaz de transformar
algo tão
nobre e verdadeiro
em algo
maquinário”.
As
trocas às vezes têm efeito paradoxal ou cômico.
Ao confundir “constância” com “consistência”,
no contexto da frase citada, o aluno atribui valor a algo que pretende evitar.
O que é consistente não deve em princípio ser rejeitado, ou seja, a escolha da
palavra indevida gerou uma falha de coerência.
Não é preciso ser “antiquário” (“vender
ou colecionar antiguidades”) para prender muito os filhos; geralmente quem faz
isso são os pais caretas, antiquados,
que se recusam a acompanhar a evolução dos tempos. Mas não há dúvida de que
existe um elo semântico entre as duas palavras; os antiquários lidam com objetos
antigos, e para o jovem “antiguidade” e “caretice” muitas vezes se
equivalem.
É frequente a troca de
“contradiz” por “contrapõe”, e do
verbo “inculcar” por “encucar” (esse
último vocábulo, por sinal, está muito próximo do universo dos adolescentes). O
curioso, nessa troca vocabular, é que é a ideia de “meter na cuca” (cabeça) não
está longe do sentido pretendido pelo aluno, que se refere à “lavagem cerebral”
promovida pela moda. Já o termo “maquinário”, transformado em adjetivo, constitui
uma extensão indevida de “maquinal.”
É preciso distinguir os exemplos acima
daqueles em que o mau emprego das palavras não se deve à semelhança sonora.
Nesses casos o aluno erra mesmo por desconhecimento do sentido. Eis alguns
exemplos:
(a)
“Depois de tal episódio ,
pude contemplar o quanto
o álcool é prejudicial”; (b) “A adolescência é uma fase da vida cheia de descobertas e libertações ,
mas também
compactuada com
sérios temores”; (c) “...devemos sempre avaliar o que está em nossa volta antes de tomar
nossas próprias conclusões ”; (d) “A geração e valorização do emprego
local seria um
bom começo
para melhorar essa necessidade”; (e) “O contato
interpessoal nos faz adquirir tolerância
em relação
ao próximo e suas
vicissitudes”.
Haveria
adequação se em vez de “contemplar” o aluno tivesse escrito “perceber”,
palavra mais ajustada ao contexto. A adolescência é comprometida (e não “compactuada”) por sérios temores. E desde
quando é possível “tomar conclusões”? Tirar
conclusões é o certo. Uma necessidade não se melhora -- se atende (atenua ou
desfaz). “Vicissitudes” aplica-se a situações e não a pessoas; a estas, o termo
que cabe é “idiossincrasias”.
Os erros decorrentes de parônimos mal
empregados, como se vê, são diferentes dos que aparecem nas passagens acima.
Indicam não propriamente ignorância, mas insuficiência na leitura e pouca
habilidade para discernir entre conteúdos semânticos de alguma forma
aparentados. A percepção de um elo entre a forma escolhida e a que o aluno
queria expressar mostra que ele fica a meio caminho entre o acerto e o erro, e
muitas vezes tem uma vaga noção do que pretendia dizer.
Um dos desafios para quem ensina
redação é levá-lo a perceber as razões dessa troca, explicitando o vínculo
entre as duas formas em jogo. A partir daí será possível melhorar seu
desempenho como leitor e produtor de textos.
Chico
Viana é doutor em Teoria da Literatura pela UFRJ e professor de redação no
curso que leva o seu nome. (www.chicoviana.com - viacor@uol.com.br)
(Publicado
no n. 23 da revista Língua Portuguesa
- Conhecimento prático, da Escala
Educacional)
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