sábado, 19 de novembro de 2016

Modismos vocabulares

        Certas escolhas vocabulares dos alunos se explicam por modismo ou pelo aparente prestígio que conferem ao texto. Refletem a tendência a “escrever difícil”, que para alguns é sinônimo de escrever bem. O propósito de sofisticar a escrita termina levando à imprecisão ou mesmo à inadequação semântica.
         Um dos vocábulos de que os estudantes abusam é o pronome “algo”. Eis alguns exemplos retirados de redações:          
- “O racismo hoje é algo comum, encontrado até mesmo nas grandes metrópoles.”
- “A influência religiosa na cultura de um povo é algo percebido quando se olha para as diversas regiões do mundo.”
- “A cada dia a violência contra a mulher vem sendo algo difundido na mídia.”
- “A aceitação dos ateus no meio social é algo muito raro.”
- “Discriminar alguém pela cor, gênero ou nacionalidade passou a ser algo comum na sociedade.”
        Esse pronome nada acrescenta ao que é dito. O que ele faz é dar à frase um ar pomposo e um tango enigmático, que compromete a objetividade. 
       Outro modismo nas redações é o substantivo “problemática”. Segundo o dicionário, ele designa um conjunto de problemas ou questões associadas a determinado objeto ou ramo do conhecimento. Se há apenas um obstáculo, contratempo ou questão a ser resolvida, o correto é escrever mesmo “problema”. Não tem sentido falar em problemática da água, dos imigrantes, da violência urbana etc. Esses são... problemas, para os quais é preciso solução (e não solucionática, com dizia ironicamente Millôr).
      “Drástico” é outro vocábulo corriqueiro e nem sempre usado com precisão. Muitos o empregam com o sentido de terrível ou pernicioso, como nesta passagem: “As conseqüências do cigarro são drásticas e não prejudicam apenas os fumantes, mas quem convive com eles também.”
       O significado de drástico é “enérgico”, “radical”. A palavra designa “um purgante que produz evacuações intensas” e está bem empregada quando se aplica a medida, atitude, reação. É impróprio usá-la para falar de cena, episódio ou acontecimento. A propósito das manifestações de 2013, um aluno escreveu: “A ação da polícia trouxe consequências drásticas”. Ele talvez quisesse dizer “trágicas”, o que até faria sentido.  Não cabe é afirmar que as consequências são enérgicas.
          Outra impropriedade é o verbo “acessar” em frases do tipo: “A polícia conseguiu acessar o local 30 minutos após o crime.” Segundo o Houaiss, acessar é “obter acesso a informação, dados, processos, dispositivos etc.”. Se a ideia é a de ingresso em algum lugar, o melhor mesmo é escrever “ter acesso”. Retificando, então: “A polícia conseguiu ter acesso ao local 30 minutos após o crime”.
         Outro vocábulo que se emprega por moda, e nem sempre de maneira correta, é o adjetivo “assertivo” (derivado de asserção, afirmação). Nos textos motivacionais ele é muito usado para qualificar a postura de quem assume o que diz. Ser assertivo é ser positivo, franco; não titubear nem se esconder. A banalização do uso leva a construções como esta: “A redução da maioridade penal não seria a maneira mais assertiva, pois os delitos continuariam a existir.” O melhor para qualificar “maneira”, nesse contexto, seria um adjetivo como adequada, sensata ou eficaz.
         Abusa-se também da palavra “fato”, que é muitas vezes empregada quando não existe acontecimento algum. A passagem seguinte ilustra isso: “Discute-se o fato da redução da maioridade penal para punir esses indivíduos, entretanto, não é a medida correta.” Se está em discussão, a maioridade penal é ainda uma proposta. Está longe de representar um fato, que se define como “algo cuja existência pode ser constatada de modo indiscutível”
        “Corroborar” é outro vocábulo de uso frequentemente inadequado. Dois exemplos:
- “A construção da Usina hidrelétrica de Belo Monte tem o objetivo de distribuir energia para lugares distantes, corroborando para a diminuição de apagões elétricos.”
- “Férias e refeições em família corroboram para a aproximação com os pais.”
        A falha nesse caso é não apenas semântica, como também sintática. O verbo corroborar significa “confirmar”, “ratificar” – e não “concorrer”, como sugerem os exemplos.   Além disso “corroborar” é transitivo direto, ou seja, rege complemento sem preposição. A presença do conectivo é mais uma prova da confusão com o verbo concorrer, pois este, sim, determina antes do seu complemento a preposição “para” (A educação concorre para o desenvolvimento do país).
        Evitar os modismos leva ao rigor na expressão das ideias, que sem os excessos e estereótipos transparecem com clareza. É preciso então refletir antes de escolher um termo que está na moda. Além de soar cansativo, ele pode não se ajustar ao que o redator pretende dizer.

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