Certas
escolhas vocabulares dos alunos se explicam por modismo ou pelo aparente
prestígio que conferem ao texto. Refletem a tendência a “escrever difícil”, que
para alguns é sinônimo de escrever bem. O propósito de sofisticar a escrita
termina levando à imprecisão ou mesmo à inadequação semântica.
Um dos vocábulos de que os estudantes abusam
é o pronome “algo”. Eis alguns exemplos retirados de redações:
-
“O racismo hoje é algo comum,
encontrado até mesmo nas grandes metrópoles.”
-
“A influência religiosa na cultura de um povo é algo percebido quando se olha para as diversas regiões do mundo.”
- “A cada dia a violência contra a mulher vem sendo algo difundido na mídia.”
-
“A aceitação dos ateus no meio social é algo
muito raro.”
-
“Discriminar alguém pela cor, gênero ou nacionalidade passou a ser algo comum na sociedade.”
Esse
pronome nada acrescenta ao que é dito. O que ele faz é dar à frase um ar
pomposo e um tango enigmático, que compromete a objetividade.
Outro modismo nas redações é o
substantivo “problemática”. Segundo o dicionário, ele designa um conjunto de
problemas ou questões associadas a determinado objeto ou ramo do conhecimento.
Se há apenas um obstáculo, contratempo ou questão a ser resolvida, o correto é escrever
mesmo “problema”. Não tem sentido falar em problemática da água, dos
imigrantes, da violência urbana etc. Esses são... problemas, para os quais é
preciso solução (e não solucionática, com dizia ironicamente Millôr).
“Drástico” é outro vocábulo corriqueiro e
nem sempre usado com precisão. Muitos o empregam com o sentido de terrível ou
pernicioso, como nesta passagem: “As conseqüências do cigarro são drásticas e não prejudicam apenas os
fumantes, mas quem convive com eles também.”
O significado de drástico é “enérgico”, “radical”.
A palavra designa “um purgante que produz evacuações intensas” e está bem
empregada quando se aplica a medida, atitude, reação. É impróprio usá-la para falar
de cena, episódio ou acontecimento. A propósito das manifestações de 2013, um
aluno escreveu: “A ação da polícia trouxe consequências drásticas”. Ele talvez
quisesse dizer “trágicas”, o que até faria sentido. Não cabe é afirmar que as consequências são enérgicas.
Outra
impropriedade é o verbo “acessar” em frases do tipo: “A polícia
só conseguiu acessar o local 30 minutos
após o crime .”
Segundo o Houaiss, acessar
é “obter acesso
a informação , dados ,
processos , dispositivos
etc.”. Se a ideia é a de ingresso em algum lugar, o melhor mesmo é escrever “ter
acesso”. Retificando, então: “A polícia só conseguiu ter acesso ao local
30 minutos após
o crime ”.
Outro vocábulo que se emprega por moda, e
nem sempre de maneira correta, é o adjetivo “assertivo” (derivado de asserção, afirmação).
Nos textos motivacionais ele é muito usado para qualificar a postura de quem assume
o que diz. Ser assertivo é ser positivo, franco; não titubear nem se esconder. A
banalização do uso leva a construções como esta: “A redução da maioridade penal
não seria a maneira mais assertiva,
pois os delitos continuariam a existir.” O melhor para qualificar “maneira”, nesse
contexto, seria um adjetivo como adequada, sensata ou eficaz.
Abusa-se também da palavra “fato”, que
é muitas vezes empregada quando não existe acontecimento algum. A passagem seguinte
ilustra isso: “Discute-se o fato da redução da maioridade penal para punir
esses indivíduos, entretanto, não é a medida correta.” Se está em discussão, a
maioridade penal é ainda uma proposta. Está longe de representar um fato, que se
define como “algo cuja existência pode ser constatada de modo indiscutível”
“Corroborar” é outro vocábulo de uso
frequentemente inadequado. Dois exemplos:
-
“A construção da Usina hidrelétrica de Belo Monte tem o objetivo de distribuir
energia para lugares distantes, corroborando para a diminuição de apagões
elétricos.”
-
“Férias e refeições em família corroboram para a aproximação com os pais.”
A falha nesse caso é não apenas
semântica, como também sintática. O verbo corroborar significa “confirmar”, “ratificar”
– e não “concorrer”, como sugerem os exemplos. Além disso “corroborar” é transitivo direto,
ou seja, rege complemento sem preposição. A presença do conectivo é mais uma
prova da confusão com o verbo concorrer, pois este, sim, determina antes do seu
complemento a preposição “para” (A educação concorre para o desenvolvimento do país).
Evitar os modismos leva ao rigor na expressão
das ideias, que sem os excessos e estereótipos transparecem com clareza. É
preciso então refletir antes de escolher um termo que está na moda. Além de
soar cansativo, ele pode não se ajustar ao que o redator pretende dizer.
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