sábado, 5 de novembro de 2016

Escrever é cortar

Um dos inimigos da boa redação é o excesso de palavras. Escrever demais tira o foco do que se quer comunicar e acaba irritando o leitor. Deve-se sempre enxugar o texto, pois os excessos acabam impedindo que transpareça o essencial.
Graciliano Ramos trata metaforicamente o processo de enxugamento numa das crônicas de “Linhas tortas”:
         "Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.
“Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
“Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."
O autor de “São Bernardo” compara o ato de escrever ao ofício das lavadeiras de Alagoas, que dividem seu trabalho entre molhar e torcer. Elas devem secar muito a roupa a fim de que o tecido, livre da sujeira e da água que o ensopa, revele a natureza da textura e a nitidez das cores. O mesmo ocorre com os escritos, que no início vêm cheios de impurezas e só se aproximam da forma ideal à medida que são submetidos a “secagens” sucessivas.  
         A vantagem dos cortes evidencia-se em todo tipo de texto. Escrever demais tanto prejudica o estilo numa obra de ficção, quanto compromete o rigor das informações e do raciocínio numa redação escolar. É preciso despertar os alunos para isso, levando-os a perceber o que precisa ser cortado.
           Na amostragem abaixo aparecem alguns excessos encontrados em redações. Eles estão em negrito e devem ser retirados em prol da simplicidade e da clareza:
1 - A educação do Brasil vem passando por mudanças ao longo do tempo.
2 - O mercado do consumo nos oferece hoje uma grande variedade de produtos disponíveis à compra.
            3 - Esse processo de construção da educação deve ser feito minuciosamente e com muito cuidado, pois cada etapa deve estar totalmente garantida.
4 - Alguns concursos podem interpretar que o excesso de timidez de um candidato é uma característica que aponta uma maior dificuldade na tomada de decisões.
5 - A boa convivência entre os seres humanos é algo difícil de ser alcançado e exige das pessoas que a procuram paciência e esforço para conseguir.
         6 - O professor Ulysses continua sendo autoritário com seus alunos das escolas em que ensina, mas por outro lado é um grande amigo fora do trabalho.
7 – A relação entre o povo e os representantes sociais possibilita uma maior visibilidade na interface positiva ou negativa dos acontecimentos sociais na gestão pública dos serviços do “Estado”.
A redundância, como se vê, justifica a maior parte dos cortes: se algo “vem passando” por mudanças, só pode ser “ao longo do tempo” (o aspecto durativo da locução com gerúndio dispensa o adjunto adverbial); o mercado não oferece produtos que não estejam disponíveis para compra; o ato de fazer algo “minuciosamente” já pressupõe cuidado; e assim por diante.
Nos exemplos 4 e 7 os excessos vêm por conta de uma designação desnecessária, que sobrecarrega  a informação (é uma característica que); e de um acréscimo no qual a obscuridade parece um disfarce para a falta de informação. Ou será que o aluno sabia mesmo o que significa “interface positiva ou negativa dos acontecimentos sociais”?

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