Muito oportuno o tema do Enem 2020. A
doença mental é tradicionalmente vista com preconceito pela sociedade. Considerava-se
que os que padeciam de tal enfermidade purgavam um castigo espiritual por infringir algum código
sagrado. Ouvi muito dizer, na minha infância, que a depressão era a ausência de
Deus.
A banca se refere a “estigma” para
ressaltar o nível de rejeição a que o doente mental está frequentemente
sujeito. O estigma é uma marca, um sinal associado ao que é indigno e
desonroso. No domínio da religião, designa as marcas aplicadas aos santos em
seus corpos como uma forma de penitência. O termo, como se vê, tem uma forte
ligação com a ideia de pecado e arrependimento. Ao estigmatizar alguém,
tornamo-lo objeto do nosso repúdio.
Graças à Psicanálise e ao conhecimento
da bioquímica do cérebro, essa concepção negativa da doença mental tem mudado. O
depressivo não é nenhum pecador, pelo contrário: seu avultado superego torna-o excessivamente
atento aos imperativos éticos. Ele sofre com suas culpas em elevada
desproporção ao que faz ou deseja. E isso ocorre, em alguma medida, porque em seu
cérebro existe a carência de neurotransmissores como a serotonina. O
depressivo está doente e precisa ser tratado.
A despeito de conquistas como as citadas
acima, o estigma ainda é forte – por desinformação ou pelo mero propósito de
rejeitar quem é diferente. Caberia ao aluno apontar como se manifesta essa
marca “na sociedade brasileira”, o que o levaria a comentar aspectos da nossa formação
e dos valores (ou antivalores) que regem o nosso comportamento social.
É oportuno lembrar que o momento pelo
qual passamos poderia ser apresentado como um exemplo do peso das relações
sociais nas doenças da mente. O confinamento e o medo têm levado muitas pessoas
a procurar atendimento psicológico. Aumentaram os casos de transtorno de
ansiedade e depressão não apenas entre os jovens. Também cresceu a violência
doméstica. Incluir na argumentação a pandemia e os seus efeitos constituiria um
ponderável reforço argumentativo ao desenvolvimento do tema.
O importante é que o tema escolhido pelo
Enem este ano chama a atenção para um aspecto crucial das patologias mentais: a
influência da organização social sobre elas. Se muitos indivíduos adoecem, a sociedade
também está doente. Caberia ao candidato, na proposta de intervenção, sugerir
meios de promover harmonia ao psiquismo das pessoas. Os agentes responsáveis
por tal ação não destoariam dos que são comumente elencados nas redações: a
família, educando; a escola, instruindo; e o governo, comprometendo-se com a
ética e com o amparo aos que, sem condições socioeconômicas, padecem desse tipo
de distúrbio.
Gostei tanto que já compartilhei. Obrigada!
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