Pais e mães que procuram meu curso para
seus filhos costumam fazer a ressalva: “Queremos um curso de redação, não de
gramática.” Geralmente acrescentam a essas palavras a informação de que os
filhos não leem, ou leem pouco, por isso têm dificuldade de escrever. O acréscimo é pertinente, demonstra bom senso.
Quem não lê não escreve. O que não se entende é a restrição à abordagem gramatical.
Como se fosse possível produzir satisfatoriamente um texto sem o conhecimento
das normas que disciplinam o uso da língua.
Por que essa rejeição, se grande parte
dos problemas com que nos deparamos nas redações é de natureza gramatical? O
que os pais na verdade contestam não é a gramática, mas a forma como ela é
ensinada na escola. Contestam a gramatiquice, que se respalda na decoreba em
vez de enfatizar o estudo dos mecanismos que estruturam o uso do idioma. Sem a
compreensão desses mecanismos, é impossível escrever.
A verdade é que há dois tipos de abordagem
gramatical. O primeiro usa a língua como um meio para ilustrar a norma. É um
modelo canhestro e parasitário, que tende a converter o aluno em mero recitador
das regras. Um modelo que tende a imobilizar o pensamento e inibir a capacidade
de produção textual. Ninguém se torna redator simplesmente por saber conjugar
verbos ou distinguir os termos da oração.
O segundo tipo inverte o foco. Reconhece que a gramática é meio, e não fim.
Em vez de privilegiar as regras, e procurar ilustrá-las em frases descontextualizadas,
desperta a percepção delas no uso do idioma. É uma gramática para o texto, que integra outros domínios além do
normativo. Entre eles o semântico e o estrutural, pois não há boa redação sem
um vocabulário adequado e uma progressão articulada das ideias. Tampouco se
escreve bem sem um repertório de informações que permita construir argumentos
sólidos. Esses últimos requisitos estão além do âmbito gramatical, é certo, mas
não o dispensam.
Como redigir bem sem atentar para a
concordância, a regência, a sintaxe dos modos e tempos verbais, a ordem
adequada dos termos na frase, enfim, sem conhecer os recursos que levam a um texto
articulado e coerente? No ótimo “Para ler como um escritor” (Zahar), Francine
Prose observa que “dominar a lógica da gramática
contribui para a lógica do pensamento”. Se escreve bem quem pensa bem, não há
como ignorar o suporte gramatical.
Os escritores também não dispensam a
gramática; muitas vezes a usam intuitivamente. Por meio da leitura e do
exercício da escrita vêm a dominar os recursos que asseguram a correção e a
lógica do texto, pois sabem que eles concorrem para a clareza e a expressividade.
Quando cometem seus “desvios”, não deixam de ter em mente o referencial
normativo. Como diz Millôr Fernandes, “se não houver norma, não há como
transgredir. A língua tem variantes, mas temos de ensinar a escrever o padrão”.
Nossos alunos não são escritores, não detêm o conhecimento intuitivo dos padrões
gramaticais, mas certamente não será por meio de um aprendizado superficial, confundido
meramente com a aquisição de uma terminologia, que chegarão a escrever bem.
Desconhecer a gramática é como pretender
que um corpo se mantenha de pé sem a espinha dorsal. Limitar-se a ela, contudo,
é preservar-lhe apenas o esqueleto. O texto, como todo organismo, necessita de
ossos e também de músculos, pele, nervos, tendões. É da articulação desses
elementos que ele obtém a eficiência e a sedução com que envolve o leitor.
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