sexta-feira, 22 de agosto de 2025

As vantagens de reescrever

                                                                 

          Não é novidade que só se aprende a escrever com leitura e muita prática. A leitura fornece modelos de raciocínio, estruturação sintática e escolhas semânticas. A prática leva ao gradativo ajuste do pensamento à expressão. Como diz Clarice Lispector, “para escrever, o único estudo é mesmo escrever”. Esse princípio também se aplica à produção textual em sala de aula.

É um trabalho que pede repetição e continuidade; os alunos devem redigir com frequência (produzir, no mínimo, uma redação por semana) e refazer os próprios textos. Sem refeitura não há progresso. Nenhum texto ganha forma na primeira vez em que as palavras são lançadas no papel. Reescreve-se para chegar ao que se quer dizer. A reescrita desenvolve o senso crítico e ensina muito sobre as possibilidades da língua.

Para Eliane Donaio Ruiz, o professor deve incorporar ao ensino essa prática “absolutamente comum entre os escritores (...), seja simultaneamente ao ato da escrita, seja posteriormente a ele” (“Como corrigir redações na escola”, Contexto, p. 24). Se ela não acontece, a correção se limita à exposição dos problemas, sem que o aluno seja convocado a compreendê-los e os resolver. A refeitura faz com que ele se fixe não apenas no resultado, mas também nas transformações que deve efetuar. Isso o ajuda a perceber que a escrita é um processo.

Escrever primeiras versões ruins é condição para que, posteriormente, se chegue a um resultado satisfatório. Quem não aprender a reconhecer as falhas – suas e dos outros – não terá como as evitar. A correção só se completa quando o estudante, consciente dos deslizes que cometeu, é capaz de repará-los numa segunda ou mesmo numa terceira versão. Os alunos com o tempo se convencem disso e passam a temer menos os erros, pois sabem que eles são um ponto de partida para o acerto. Ao reescrever, aprendem a desconfiar do binômio “certo/errado”, “bom/mau”. Convencem-se de que toda redação pode ser aperfeiçoada; o precário material que produzem nas primeiras versões é a matéria-prima que resultará em bons textos.

Segundo Daniel Cassany, escrever “é como atirar pedras – a gente não sabe com certeza os efeitos que causará quando a pedra sair da mão.” (“Oficina de textos”, Artmed, p. 91). A reescrita ajuda a conhecer a trajetória da pedra, evitando o risco de que ela caia na cabeça de quem a jogou. Uma das melhores justificativas para refazer o texto está no exemplo dos escritores; eles reescrevem para aperfeiçoar o estilo, descobrir o foco no qual melhor se desenvolve uma narrativa ou justificar com argumentos verossímeis as reações dos personagens – entre outras finalidades.

Em sala de aula não se procede a uma reescrita literária, mas a uma reelaboração que busca aprimorar o texto segundo parâmetros gerais (os que determinam o estilo são particulares). O princípio que orienta as duas atividades, no entanto, é o mesmo – o de que na prática consciente e contínua está a chave para o bom uso da linguagem.

Reescrever não é revisar. Por meio da revisão corrigem-se tropeços na ortografia, na regência, na concordância, na sintaxe dos modos e tempos do verbo. A reescrita vai além: implica mudar ou cortar palavras, reordenar períodos, dar nova disposição aos parágrafos, a fim de que o texto atinja os objetivos a que se propõe. A refeitura visa aprimorar a competência discursiva do aluno. Não escreve bem apenas quem não comete erros ortográficos e se sai bem em concordância e regência. Um texto pode ser correto nesses aspectos e não cumprir a sua função. O estudo da norma só tem sentido se conduz à produção de textos, sobretudo escritos, que também ajudem o indivíduo a atuar na sociedade. Quem não tem voz não tem vez.

            A reescrita deve dar mais ênfase à comunicação do que ao estilo (no sentido literário). Não se está, afinal de contas, lidando com escritores, e sim com quem deseja aperfeiçoar sua capacidade redacional. O que se persegue é a clareza, a transparência de sentido. O caminho para chegar a isso é também combater os problemas que dificultam o ato de ler. Stephen Kock afirma que “o coração da legibilidade é sua relação com o leitor. A clareza é um elemento essencial dessa relação” (“Oficina de escritores”, Martins Fontes, p. 227). O aluno deve estar consciente de que reescreve, sobretudo, para se fazer entender.